Mal termina o mês de Fevereiro, começam a surgir cada vez mais cedo, em bermas de estradas e caminhos, as primeiras papoilas, solitárias. Resistentes e efémeras ou então em grupos de cor escarlate ou mais alaranjada a pincelarem a paisagem de primavera.
As pétalas de papoila são usadas em infusão devido à sua ação anti-espasmódica para tratar a tosse.
A beleza das flores silvestres
Ao mesmo tempo enchem-se as pradarias de camomilas – quem não lhes reconhece méritos no alívio de problemas digestivos e nervosos? Aparecem os dentes-de-leão, excelentes em casos de retenção de líquidos, de pés e mãos inchadas; calêndulas para juntarmos nas saladas ou lavarmos a vista em casos de conjuntivite ou gargarejarmos no caso de gengivite ou amigdalite. Os seus compostos resinosos são eficazes no tratamento de quistos nos ovários.
Aparecem ainda oxalis, as famosas azedas da nossa infância; ervilhacas e bolsas-de-pastor; agarra-saias; agrimónias; morugem; soagem; malvas e borragem; margaridas; mostardas; saramagos; acelgas-bravas; tremocilhos a fixarem o azoto nos solos e encherem-nos a vista; o olfato e a alma de tanto amarelo (por vezes também é roxo). Os crisântemos com a sua bela coroa dourada chamando a atenção dos polinizadores, o hipericão a assomar-se cada vez mais cedo.
Lá para abril, dependendo dos anos e das alterações climáticas, celebra-se o aparecimento das chicórias, também conhecidas por almeirão. Possuem reconhecidas propriedades medicinais quer na sua raiz para tratar problemas de fígado, quer nas folhas ou belíssimas flores azuis cor de céu. Fecham-se à noite e são de uma impressionante resiliência, crescendo em bermas de estrada muito secas e argilosas.
Já experimentou desenraizar alguma para fazer “café”? Pois garanto que não é tarefa fácil. A fabulosa e versátil urtiga por todo o lado, não há planta melhor para resolver situações de anemia, artrites ou gota, entre muitos outros benefícios. Em infusão, sopa, omeletas ou croquetes, pão, tartes doces ou salgadas, esta é a rainha do inverno e primavera! Até ser destronada pelas beldroegas que começam a espreitar lá para maio, dependendo dos locais e do tempo, claro está.
A importância da biodiversidade
Joaninhas e abelhas, pássaros e zangões, borboletas de todas as cores. Aves cantarolando felizes na azáfama do acasalamento e da construção dos ninhos. Felizmente este festim de biodiversidade ainda se desenrola nos campos e ultimamente em algumas cidades. De facto, algumas já interiorizaram que dinamizar, estimular e facilitar toda esta vida é crucial para a preservação do equilíbrio e sustentabilidade de toda uma teia onde o ser humano é apenas mais um fio.
Pois dizia eu, enquanto esta paisagem floresce aos olhos de quem contempla, aprecia e respeita, uma outra atitude se prepara nos bastidores. Homens munidos de máscaras e fatos brancos a lembrar astronautas invadem os campos; as bermas de estrada; os espaços circundantes das escolas; os jardins públicos.
Trazem às costas um pulverizador que em poucos minutos começa a fazer o seu efeito de destruição de tão mal-amadas flores a que erradamente se dá o nome de ervas daninhas e repito a frase já muito badalada “Uma erva daninha só é daninha até nós descobrirmos para que serve”.
A aplicação de produtos com glifosato
Os produtos aplicados dão pelo nome de Catamaran, Satélite, Envision, todos eles contendo glifosato. Estes venenos ou remédios, como lhe chamam as pessoas da aldeia onde moro, são aplicados indiscriminadamente no campo e na cidade, em locais onde a lei nem sequer permite. Por vezes, são as câmaras municipais a aplicá-lo, como é o caso de Sintra, onde existem vários registos de aplicação de glifosato no centro histórico da vila Património da Humanidade. Património ecológico é que não é com certeza.
No caso da Câmara de Cascais, no parque Marechal Carmona, com uma bandeira verde de eco-município e a aplicar herbicida pouco tempo antes de o parque abrir os seus portões ao público. Eu ia receber um grupo de crianças de uma escola local quando me deparo com o absurdo aviso. Aliás como são quase todos esses avisos colocados muitas vezes no próprio momento da aplicação, em dias de chuva, colados com fita-cola a árvores ou postes, as datas pouco legíveis, muitas vezes rasuradas e com outra data por cima.
Pior ainda quando são os privados a aplicar sem qualquer controlo ou fiscalização – aplicam em diluições elevadíssimas e extravasam quase sempre para fora dos seus terrenos e muitas vezes aplicam apenas no exterior ou na entrada das suas propriedades. Muito se tem escrito e debatido e votado e analisado, contra-analisado, contestado, boicotado mas a verdade é que os lobbies responsáveis pela comercialização destes produtos tóxicos é todo-poderoso, encomenda e patrocina estudos.
Os malefícios
Não sou adepta da teoria da conspiração nem quimiofóbica; sou apenas informada e sei pensar pela minha cabeça; ora, se um produto que tem causado tanta polémica, que destrói tantos tipos de vida, havia de ser bom para o ser humano? Se provoca ou não linfomas; cancro da mama; da próstata; deformações nos fetos, se está provado ou não provado, a meu ver não é relevante. É óbvio que nos faz mal. Não são apenas as flores que vão desaparecer mas também joaninhas, abelhas, borboletas, gatos e cães, ovelhas e crianças que tenham o azar de colocar na boca algo que tenha estado em contacto com estas substâncias. Toda a rede se destrói.
Por último deixo um apelo aos cidadãos que presenciarem aplicações fora do âmbito da legislação a questionarem as suas autarquias, filmando ou fotografando as ditas ocorrências, recolhendo o máximo de provas possíveis sobre a ilegalidade da forma como esta questão de saúde pública está a ser (mal) gerida.
Para mais informações:
www.facebook.com/groups/sintrasemherbicidas/
www.quercus.pt/campanhas/campanhas/autarquiassem-glifosato
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